30 de maio de 2011

Audio Visual

Sessão#16 – Consumo e Alienação

Vivemos cercados de apelos publicitários, transformamos nossos desejos em consumo, nos alienamos com frequência numa espécie de vida paralela estimulada pelos meios de comunicação. Os curtas-metragens deste programa mostram como o tema vem sendo tratado pelo cinema brasileiro. Nos filmes mais antigos, prevalece a denúncia contra um sistema de dominação. Nos mais recentes, a crítica assume ares de humor e irreverência, característicos de um tempo em que a produção de mensagens se banalizou tanto quanto seu consumo.

FILMES DO PROGRAMA
 A linguagem da persuasão de Joaquim Pedro de Andrade
   (RJ, 1970, Documentário, Colorido, 11 min.)
Filme originalmente encomendado pelo Serviço Nacional de Aprendizado Comercial (Senac) sobre a função dos meios de comunicação como forma de aperfeiçoamento profissional. O documentário subverte o seu objetivo inicial e propõe uma reflexão crítica sobre a sociedade brasileira dos anos 1970.
A alma do negócio de José Roberto Torero
   (São Paulo, 1996, Ficção, Colorido, 8 min.)
A publicidade é a alma do negócio ou o negócio é a alma da publicidade? 
Os idiotas mesmo de Allan Sieber
   (RJ, 2000, Animação, Colorido, 12 min.)
Para planejar a supercampanha de lançamento de uma nova marca de cigarros, entra em ação uma equipe de publicitários. Milhares de dólares envolvidos, milhares de reuniões e muitos esporros. A genialidade e sofisticação desse glamoroso mundo habitado somente por escolhidos: a publicidade.
Meow! de Marcos Magalhães
   (RJ, 1981, Animação, Colorido, 7 min.)
Um gato é disputado por dois donos. Um tem pouco leite para alimentá-lo, e o outro tenta de todas as formas acostumá-lo a beber um refrigerante chamado “Soda-Cólica”.
A sintomática narrativa de Constantino de Carlos Dowling
   (PB, 2000, Ficção, Colorido, 23 min.)
De quando Constantino, depois de despedido do emprego de apregoador da bolsa de valores, firma residência num supermercado, pretendendo “consumar sem ser consumido”.
O nariz de Eliane Caffé
   (SP, 1988, Ficção, Colorido, 10 min.)
Arlindo, funcionário de um escritório, um dia resolve usar um nariz postiço e assim modifica o cotidiano de casa, do trabalho e da relação com os amigos.

CRÍTICA
Consumo e alienação
Carlos Alberto Mattos*

“Mesmo sem perceber, você pode ser dominado. A todo instante, um cartaz ou uma vitrine pedem que você olhe e obedeça. O sentimentalismo torna você mais dócil. Na tela de televisão, o lugar-comum invade a sua intimidade. Sem perceber, você ingressa no mundo estereotipado dos personagens, no mundo encantado dos consumidores.”
Esses são trechos da narração do primeiro curta-metragem desta coletânea sobre consumo e alienação. A linguagem da persuasão foi realizado em 1970 por Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988), quando a linguagem publicitária podia ser vista como um braço da dominação imposta pela ditadura militar. O filme subvertia uma encomenda do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), abordando o consumo pela via da denúncia. Hoje, à distância no tempo, o filme, em seu discurso direto ao espectador (nos moldes da publicidade), pode soar tão autoritário quanto as práticas que denunciava.
De dominação fala também Meow!, de Marcos Magalhães, um clássico da animação brasileira, premiado no Festival de Cannes de 1982. Narra a fábula de um gato reprogramado, à base de força e sedução, pelo braço do imperialismo para gostar de Coca-Cola. Trata-se de uma alegoria poderosa do tema deste programa, sobretudo quando se toma a dimensão política do consumo no capitalismo. Filmes mais contemporâneos trocam as mensagens prontas e teorias macro pela sátira aplicada ao universo publicitário. É o caso do sardônico A alma do negócio, em que José Roberto Torero satiriza a estética dos comerciais de TV na surpreendente manhã de um casal-propaganda. Especialista das patologias amorosas, o diretor vira de ponta-cabeça a ideologia de bem-estar e assepsia presente no mundo paralelo da publicidade.
Mas quem, afinal, está movendo os barbantes nesse teatro da propaganda? Na animação Os idiotas mesmo, Allan Sieber nos faz presenciar uma série de reuniões numa agência de publicidade, onde o desafio é criar a campanha de uma marca de cigarros de baixos teores para machos. A caricatura, política e esteticamente incorreta, atinge em cheio os bastidores da própria linguagem da persuasão.
Aventuras individuais marcam outros títulos sobre o tema. Um homem resolve ser feliz dentro de um supermercado em A sintomática narrativa de Constantino, do paraibano Carlos Dowling. A hipótese absurda funciona se considerarmos que o consumo acena com a satisfação de todos os nossos desejos – Constantino apenas leva o slogan ao pé da letra. Já o burocrata de O nariz se insurge contra a indiferenciação e altera tudo ao seu redor quando passa a usar uma simples máscara. No cenário uniformizado e alienado do cotidiano, uma diferença marcante pode causar uma revolução.

* Crítico e pesquisador de cinema, autor de livros sobre os cineastas Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho, Carla Camurati, Jorge Bodanzky, Maurice Capovilla e Vladimir Carvalho.

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